Antônio e Picucha

Major Antônio de Souza Nunes Filho nasceu em 24 de dezembro de 1874, em Pindoba Grande - AL e Ocidentina Moreira da Fontoura (Picucha) nasceu em 11 de fevereiro de 1884, em Sant'anna do Livramento - RS.

Picucha dizia que nascera “empelicada”, coisa muito rara. Dizem que os empelicados são distinguidos por Deus, quando seu espírito vem à Terra.
Uma tia, casada com um Capitão do Exército, chamado Júlio, que não tinham filhos, pediram à Percillianna que mandasse Picucha para sua casa, para tê-la como companhia, e assim ir no colégio e estudar piano. Como moravam em estância, consentiram ao pedido e a enviaram a seus tios. Sua tia deu-lhe um quarto, com as paredes cobertas de imagens de santos. Quando tinha 9 anos, um dia esqueceram uma vela acesa e, por algum motivo o quarto pegou fogo. Quando foram socorrê-la, viram que só não tinha pegado fogo o lugar em que ela estava dormindo, saindo ilesa do perigo.

Antônio e Picucha se conheceram quando ela só tinha 13 anos. Ele logo se apaixonou por ela, indo visitar o seu colega Capitão Júlio, todos os dias. Picucha tinha que fazer sala, mas o sono não deixava, tendo que ir, de vez em quando, lavar o rosto. Antônio era 10 anos mais velho que Picucha. Aos 14 anos foi pedida em casamento, mas ainda não entendia de amor, pois não passava de uma inocente criança. Ela era uma poetisa repentista.

Antônio contratou o casamento com Picucha em Bagé, na Rua General Sampaio, 123, no dia 4 de dezembro de 1898, tendo o casamento sido realizado no dia 1° de abril de 1899, em São Gabriel, Rio Grande do Sul.

Picucha casou-se com 15 anos e logo em seguida ficou grávida, tendo seu filho primeiro na estância, em Sant’ana do Livramento

Antônio foi transferido para o Rio de Janeiro.
Enquanto Antônio ia trabalhar, Picucha pegava o filho, sentava na soleira da porta e ali ficava chorando até ele voltasse. Sabendo do fato, a esposa do Marechal Floriano, tio avô de Antônio, convidou-os para morarem com eles e assim dar assistência, tanto à mãe quanto ao filho. Com isso, Antônio convidou a filha mais moça do Presidente, Anunciata, para madrinha de batismo de seu filho, dando-lhe o nome de Floriano Peixoto.

O casamento religioso realizou-se apenas em 24 de abril de 1920, às 11 horas do dia, na Igreja Matriz de S.B.Jesus do Monte, na Ilha de Paquetá. Ele escreveu:

“Realizei o meu casamento religioso, depois de 21 anos e 24 dias de casado pelo civil, na presença do Vigário Padre Joaquim Móss de Almeida Britto, tendo como testemunha o Major José Joaquim Nunes e sua Exma Senhora, Dna Maria da Glória Martins de Mello, esposa do Sr. Claudionor Francisco de Mello, todos residentes em Paquetá. No templo, além de mim, Picucha e testemunhas, padre e sacristão, havia outras pessoas. Neste mesmo dia, às 9 horas, realizou-se a cerimônia da entrada da Picucha para a irmandade de Nossa Senhora de Lourdes.”

Antônio era dotado de um espírito religioso, devoto de Santana e extremamente patriota. Durante os desfiles militares de 7 de setembro, era comum, ver-se os seus olhos marejados de lágrimas à passagem da bandeira, demonstrando a sua grande emotividade. Costumava recolher-se às 19 horas e levantava-se ao raiar do dia. Logo a seguir fazia café e lavava uma pequena xícara para a esposa, ainda no leito. Depois disso acordava os filhos para praticarem ginástica sueca, por ele ministrada.
Como Tenente do Exército, com poucos vencimentos e família com 6 filhos para sustentar, sabia dividir com sabedoria as despesas para a manutenção da casa. Aos sábados havia ceia e gostava de fazer “surpresa”. Havia sempre uma novidade para a ceia, o que deixava os filhos curiosos e esperando a hora.

Antônio tinha o “Dom da cura”. A família nunca necessitou de médico em casa. Durante a gripe espanhola ele, com o sistema “knip” e homeopatia, salvou toda a família, o futuro genro e um casal vizinho com duas filhas pequenas.

Com o casamento de Flori, a filha mais velha, a família foi morar na Fortaleza de Santa Cruz.

Posteriormente, Antônio foi transferido para Mato Grosso, onde logo foi procurar os pobres para dar-lhes assistência.

Nessa época, aconteceu um fato muito interessante: Antônio travou conhecimento com um fazendeiro de boas posses, que era portador de uma ferida na perna há mais de dois anos. Então, um dia ele lhe disse: “O senhor quer me mostrar a sua ferida?” E, ao examiná-la verificou a existência de um carrapato que, há dois anos “residia” no fundo da ferida, o que impedia a cura do mal. Em face do que viu, disse ao fazendeiro que o curaria mas com a condição da dispensa do médico que o tratava há muito tempo, por achar que ao médico não era interessante “despejar” o carrapato, pois era ele que mantinha a visita médica. Tendo o enfermo aceitado a proposta, em poucos dias ficou curado. Este fazendeiro, em sinal de agradecimento, o acompanhou até a fronteira do Mato Grosso com São Paulo, quando do seu regresso ao Rio.

Vindo de Mato Grosso, pediu reforma do serviço militar tendo sido nomeado diretor da Fábrica de Ferro de São João de Ipanema, lugar que serviu de repouso ao Imperador D.Pedro I. Sua casa, chamada Casa Grande, conservava todos os móveis de estilo da época, de jacarandá maciço. Em Ipanema foram os melhores anos da mocidade de seus filhos. Muito empreendedor, achou em São João de Ipanema riquezas inexploradas até então. Explorou caieiras, lavouras e carvão.

Em Ipanema, Picucha andava a cavalo e jogava ping-pong com as filhas. Em Ipanema tinham muitos empregados, mas ela gostava de fazer pão e fazia sempre um boneco de pão, recheado com lingüiça, também feita por ela, e com olhos de feijão, para cada um dos filhos. As filhas só não gostavam muito dos vestidos que ela costurava para elas pois, se ela errava e o vestido ficava com a cintura lá em cima, ela dizia: “Está muito bom!” e ai delas se não o usassem. Mas se por acaso, a cintura do vestido ficasse muito baixa, tinham que usá-lo da mesma forma. Ela era autoritária e muito respeitada pelos filhos. Era uma quituteira e doceira sem igual. Já com idade, uma vez foi a Santos, passar uma temporada de verão com a família de Florzinha. Um dia fez duas travessas grandes de canjiquinha de milho verde, tendo o maior dos trabalhos, ralando o milho etc. Fernando, o filho mais velho de Florzinha, ao chegar da praia pegou uma travessa e comeu toda a canjiquinha que lá estava. Picucha ficou louca da vida.

Antônio continuou sempre assistindo a pobreza. Um dia foi procurado por um colono que informava que sua mulher há muito estava passando mal, não dormindo e nem comendo há vários dias. Ele atendeu prontamente e, lá chegando, como ação preliminar, sacudiu o termômetro e colocou na axila da doente. Qual não foi sua surpresa e do colono ao ver a mulher prostrar-se num sono profundo. Uma semana depois o homem voltou à sua presença dizendo que sua mulher pedia a sua visita novamente mas que não esquecesse de levar aquele “remedinho cumpridinho” que colocara debaixo do seu braço. Antônio atendendo prontamente ao chamado, foi até lá e repetiu a operação. Foi um caso de “sugestão” e nada mais, ficando a mulher restabelecida.

Agora um fato sobrenatural ocorrido em sua casa.
Numa noite, durante a ceia, onde se achavam presentes duas de suas sobrinhas, Evangelina e Salva, a louça que servia a mesa começou a pairar no ar e muitas delas saiam pela janela, pousando sobre o muro da casa. O piano, que se achava na sala, começou a tocar sozinho uma valsa que um senhor que havia falecido a pouco, Sr. Juca, tocava e as cadeiras dançavam sozinhas. A casa logo se encheu de curiosos e uma senhora nossa amiga, e muito católica, chegando perto do piano, disse em voz alta: “Eu só acredito em que estou vendo se este vaso de flores”, que estava em cima do piano, “cair aos meus pés”. Nem tinha acabado de falar e o vaso se espatifou aos seus pés. Esse fenômeno, que os espíritas chamam de levitação, foi muito comentado em Ipanema.

Antônio gostava de andar a pé com sua filha Fantyna aos domingos de madrugada, quando faziam a volta da Gávea. Era uma caminhada bem puxada.

Mais tarde, em 1930, quando Antônio era diretor da Casa de Correção do Distrito Federal (Rio de Janeiro), foi procurado um dia por um antigo presidiário que lhe contou que sua mulher era causadora do caso espírita que aconteceu em Ipanema. Disse ainda que, em todos os lugares que iam morar, acontecia o mesmo fenômeno, atribuindo ele, a maus espíritos que ela era portadora. Essa foi a causa de haver assassinado sua mulher e, por esse crime, estava cumprindo pena.

Nesta época, compraram um sítio em Caxias. Não imaginavam que logo perderiam o filho mais velho, aquele que lhes dava o maior amor e apoio. Assim nesse sítio, Picucha procurou se distrair, dando forma bonita em tudo que pegava. A casa do sítio tinha a forma de um avião em homenagem ao filho aviador.

Picucha era muito exigente com todos os filhos, que a conheciam apenas pelo olhar. Nunca os deixou saírem sozinhos. O casal sempre os acompanhava às festas, cinema e passeios, piqueniques etc. Nunca reclamava de nada. Ao perder seus amados filhos tão moços, que eram seus companheiros, não dizia nada. Sua dor era só sua. Era uma mulher muito boa e, mesmo com idade, continuava exigente e trabalhadora.

Antônio sofria muito com a vitória da Alemanha e por esse motivo foi se acabando, não lendo mais jornais. Infelizmente não assistiu a vitória das nações unidas.
Antônio faleceu em casa, na Rua Tavares de Macedo, Icaraí, Niterói, no dia 5 de setembro de 1941.

Picucha era apaixonada pela política. Chegava a brigar por motivo político. Chegou a brigar com Florzinha por causa do Jânio Quadros. A filha dizia que ele não ia acabar o mandato – ela a olhava com um olhar... Bah!!! Durante a Grande Guerra (1914-18), ela se dizia ao lado da Alemanha. Então, aos sábados e domingos, quando todos se reuniam, as discussões era aquele “quebra-pau”. Quando acabou a guerra, ela confessou que não era do lado da Alemanha mas, se assim não dissesse, como iriam discutir?

Texto baseado em registros feito por Flor de Lys da Fontoura Nunes Cunha