Manoel e Percillianna

Manoel Moreira Carneiro da Fontoura Filho, que assinava Manoel Moreira da Fontoura, nasceu no dia 22 de janeiro de 1848.

Percillianna de Araújo foi batizada no dia 1° de janeiro de 1857 em Santana do Livramento, sendo seus padrinhos o tenente-coronel Miguel Luis da Cunha e Úrsula Martins da Cunha. Moça prendada e culta, pois tocava piano virtuosamente aliada a uma veia poética admirável e uma simpatia cativante, não foi difícil conquistar o coração do jovem tenente Manoel. E das visita que frequentemente fazia à residência do Tabelião João Manoel, estando sempre presente às festas e horas de arte que ali se realizavam à miúde, sempre com a finalidade do aprimiorarnento das artes lítero-rnusicais, e onde se ressaltava a figura de seu irmão João, um excelente flautista, compositor, poeta e literato, além de outras qualidades que exornavam as personalidades inconfundíveis e marcantes da família Araújo.
Assim sendo, o romance MANOEL-PERCILLIANNA, em nossos dias, daria assunto para uma novela radiofônica e de televisão, pois até suspense o romance apresentou. Portanto, não será demais contá-lo como tudo se passou.

Quando Manoel conheceu a família Araújo, de quem se fez amigo, Percillianna era uma criança de 10 ou 11 anos, que só pensava em brincar com bonecas. Nessa época, Manoel, também adolescente, não pensava em namorar, tratando unicamente de estudar e adquirir conhecimentos, que fizeram dele um homem de elevado caráter e excelente moral, o que muito lhe valeu nos cinco anos de serviços devotados á pátria, onde mostrou seu denodo e bravura por ocasião dos combates em que tomou parte na defesa da Pátria ultrajada.

Manoel foi para a guerra do Paraguai, com dezessete anos como voluntário e na defesa da Pátria portou-se como um bravo e destemido brasileiro, o que lhe valeu, entre as outras promoções, a de 1° tenente-honorário do Exército Brasileiro em operações no Paraguai, em 14 de dezembro de 1872. Foi ferido nos combates das Cordilheiras (dezembro de 1868) e agraciado com a mais alta distinção do império, a Ordem da Rosa, no grau de Cavaleiro, em 8 de abril de 1871, pelo Imperador D.PEDRO II, tendo ainda recebido a medalha da Campanha do Paraguai (5 anos), oferecida pelo Governo da República Argentina (medalha General Mitre), além de outras condecorações.
Cheio de glorias e com o coração cheio de ufanismo pela certeza do dever cumprido, regressou ao lar onde, infelizmente, não encontrou seu pai, que falecera em Santana do Livramento em 14 de dezembro de 1868.

Ordem da Rosa

Mas voltemos um pouco ao ano em que foi deflagrada a Campanha do Paraguai.

Aberto o voluntariado, Manoel foi um dos primeiros alistandos e, na véspera de sua partida para o campo da luta, foi despedir-se da família Araújo, sua grande amiga. E ao despedir-se de sua amiguinha brotinho Percillianna, teve Manoel com ela o seguinte diálogo:

"Percillianna, vou trazer do Paraguai um paraguaiinho pra casar contigo”, ao que ela respondeu: “Aceito o presente e estamos combinados!"

São decorridos cinco anos de luta entre Brasil e Paraguai, quando a morte de Francisco Solano Lopez pos fim à guerra. Regressa, então, o tenente Manoel Moreira da Fontoura. Em sua companhia, seu irmão mais novo, Antônio Maria, vão os dois visitar a família Araújo, e dadas as boas vindas aos presentes, Manoel dirigindo-se à sua amiguinha Percillianna, agora uma donzela de 17 anos, inteligente, irradiando uma simpatia cativante, disse-lhe:

“Percillianna, não foi possível trazer o paraguaiinho que te prometi, como combinamos. Em seu lugar, trouxe meu irmão Antônio Maria pra casar contigo."

Houve risos naquela afirmação quase categórica do tenente Manoel. Entretanto, mal sabiam eles, que Antônio Maria ao ser apresentado à irmã de Percilliana, Delminda, seu coração vibrou de alegria, e ao contemplar Delminda, selou sua sorte entregando-lhe seu coração. E aí, como em contos de fadas, casaram-se e foram muito felizes para o resto da vida. O casal teve cinco filhos.

Mas, dali em diante, Manoel começou a namorar outra moça da sociedade santanense, e a quem prometera casamento.

Percillianna
era perdidamente apaixonada pelo seu primeiro amor, na sua mocidade pujante de seus 17 anos e Manoel começou a gostar de Percillianna, e sentiu que seu coração já não mais pertencia à sua noiva, e sim à Percillianna, por quem também se apaixonara.

Finalmente chegou o dia do casamento de Manoel. Na noite que antecedeu ao evento, contam os daquela época, que Percillianna não dormiu a noite inteira, vendo o dia clarear, e conseqüentemente, a hora fatal da perda de seu amor. Sua face estava maltratada pela torrente de lágrimas que verteu durante toda a noite. Mais ou menos, entre 9 e 10 horas da manhã (o casamento estava marcado para a tarde), uma aia de Percillianna entra no quarto nervosamente dizendo:

“D. Percillianna, quem vêm vindo aí, a cavalo, é o tenente Moreira!”

Percillianna deu um pulo felino da cama, e com um pente na mão tentando ajeitar ligeiramente os cabelos em desalinho decorrentes de uma noite mal dormida, e quando chega à janela, Manoel, montado em seu garboso corcel, disse-lhe apenas, o seguinte:

“Percillianna, eu voltarei!”

Aquilo, segundo ela, foi uma dádiva do céu! O seu sofrimento teve urna pausa. Mas, e a cerimónia do casamento de Manoel marcado para a tarde desse dia? Pela declaração de Manoel, deduziu-se logo que a noiva ficou esperando no altar, e o noivo não apareceu.
Como era de esperar, esse fato foi um mini-escândalo na sociedade santanense, onde duas pessoas de significativa projeção social, romperam de maneira um tanto brusca um compromisso assumido.

Passaram-se alguns meses e Manoel regressa a Santana. O caso do noivado desfeito foi “abafado" e logo caiu no esquecimento da sociedade local. Os saraus e festas lítero-musicais na residência da família Araújo prosseguiam sempre, e aí Manoel e Percillianna se aproximaram de fato, e no dia 3 de janeiro de 1373, às seis horas da tarde, na matriz, de Santana do Livramento, casaram-se na presença das testemunhas João César Mussi e Alexandre Joaquim Ribeiro, sendo vigário oficiante, o padre Augusto Martins da Cruz Jobim.

Manoel e Percillianna se amaram com todo o amor de quem se casa por amor, e deram ao país e ao Rio Grande, dezessete filhos, todos nascidos em Santana.

Em 1893, já casado com Percillianna, tomou parte ativa na Revolução Federalista deflagrada naquele ano, no Rio Grande do Sul, no posto de Coronel, tendo sido um dos signatários do Manifesto dos Maragatos, que assinalou o início de uma luta sangrenta e cruel entre irmãos, tendo de um lado as forças estaduais ao mando de Júlio de Castilhos, então Governador do Rio Grande do Sul, e do outro lado, os maragatos de Gumercindo Saraiva.
Em 14 de outubro de 1874, foi nomeado Capitão da 1ª Companhia do 70° Corpo da Guarda Nacional em Santana do Livramento.

Percillianna deixou de existir no dia 24 de dezembro de 1907, na estância de sua filha Amalthéa, tendo sido sepultada no Cemitério São Gregório, 4° distrito de Santana do Livramento, até á extinção do mesmo Cemitério, quando seus restos mortais foram transferidos para o jazigo perpétuo daquela sua filha, no cemitério local de Livramento.

Mqanoel, nos seus últimos anos de vida, residiu em uma pequena chácara na Rivera-Chica, quase na linha divisória Rivera-Livramento, cercado de seus genros, filhos, netos e amigos mais chegados.

Faleceu Manoel Moreira Carneiro da Fontoura Filho, em Santana do Livramento no dia 15 de Janeiro de 1919.
Sobre o seu passamento, o jornal "A TARDE" de Santana do Livramento, de 7 de janeiro de 1919, assim noticiou o falecimento do ilustre santanense:

"MANOEL MOREIRA DA FONTOURA - Quarta-feira última às primeiras horas do dia, deixou de existir nesta cidade, o respeitável cidadão Sr. Manoel Moreira da Fontoura. A noticia desse falecimento encheu de consternação a nossa sociedade, que muito apreciava as belas qualidades morais do extinto. O Sr. Manoel Moreira da Fontoura contava mais de 70 anos de idade e era chefe de numerosa família. Moço ainda partiu para a Campanha do Paraguai, de cuja luta voltou com as insígnias de tenente. Fez também o extinto a Revolução de 1893 no Rio Grande, ao lado do exercito federalista. Seu enterro realizou-se na tarde de anteontem, sendo a encomenadação feita pelo ritual metodista. Lamentamos o passamento do velho servidor da Pátria e endereçamos condolências à sua Exma. família.”

Texto baseado nos registros de Eraldim da Fontoura Cunha - Peri